Resenha: Um Trabalho Sujo

Charlie é um cidadão americano bem comum, talvez somente um pouco mais bobo que a média. É casado com Rachel, a mulher dos seus sonhos, que está prestes a dar a luz a sua filha, a quem irá amar com todas as suas forças. Acontece que o destino está prestes a bagunçar a vida de Charlie, mesmo ele não sabendo disso, fazendo as coisas tomarem um rumo, no mínimo, inesperado.

Quando li a sinopse de Um Trabalho Sujo, logo lembrei da série de TV Dead Like Me, na qual um grupo de pessoas, após morrerem, eram recrutadas para serem ceifadores. Os ceifadores recebiam nomes diariamente e deviam encontrar as pessoas indicadas e tocá-las, a fim de, assim, elas seguirem para “outro plano”. O livro de Christopher Moore difere bastante do seriado. E isso não só por conta da mecânica do trabalho de Charlie, mas, na maior parte, do toque de humor que o livro possui – típico traço do autor, devo adicionar, que escreveu mais cedo O Cordeiro, onde ele narra a juventude de Jesus de um forma…divertida. A obra mescla humor, drama, suspense, horror e até aventura, sempre retornando ao primeiro gênero. Pular de um para o outro é um trabalho difícil que pode prejudicar toda a história caso não seja bem feito. Com exceção algumas bizarrices que encontramos ao longo da trama, o autor transita bem entre os gêneros, conduzindo o enredo de forma dinâmica, sem deixar nenhum deles para trás ou algo em excesso. Embora, como acabei de dizer, ele consiga trabalhar bem com todos os gêneros, não é para todos que uma história consegue ter um toque cômico e ao mesmo tempo dramático ou de suspense. Por tanto, se você não é esse tipo de pessoa – ou pensa que é, mas não gostou da ideia proposta – pode parar aqui mesmo. Caso você seja esse tipo de pessoa – ou ao menos achou bacana essa ideia de misturar diferentes gêneros num livro só ( principalmente relacionar tudo com o humor ) – vamos avante!

Capa americana do livro

Rachel morre após dar a luz, deixando Charlie desolado e ainda com uma bebê para cuidar. Antes dela partir ele jura ter visto um homem negro de terno verde no quarto de sua mulher, mas ninguém acredita nele devido a seu estado de depressão. Ele acaba cercado pela família de Rachel em seu apartamento, recebendo ajuda também de sua irmã, Jane, para cuidar de Sophie, sua filha. E parece que irá precisar cada vez de mais ajuda, pois começa a ver objetos emitindo uma luz vermelha que ninguém mais parece perceber – e isso somado ao homem que viu no quarto de sua mulher, o faz pensar que algo de errado talvez esteja começando a acontecer.

Charlie é dono de uma loja de antiguidades e é lá que vê ainda mais objetos que irradiam a luz rubra. Depois de tanto tempo os vendo, ele conclui que são radioativos, trancando todos num quarto da loja, não deixando nenhum dos seus dois empregados os venderem. Mas se ele achava que isso resolveria todos os seus problemas, estava muito enganado. Corvos aparecem toda hora perto dele, pessoas morrem ao seu redor e, por fim, acaba encontrando o homem de terno verde que parece ter levado sua mulher. Ele tem todas as resposta que Charlie precisava, mesmo que não as queira escutar. Os dois são “Mercadores da Morte” ( o termo é inventado por ele, Minty ). Eles são algo como “ajudantes” da morte e seu dever é recolher receptáculos de alma ( aqueles objetos que brilham vermelho ) e vendê-los em suas lojas para alguém que irá os reencarnar. Eles recebem de forma misteriosa pelo seu trabalho e, caso não cumpram os prazos que aparecem com os nomes em suas agendas ( só precisam comprar as agendas, o resto acaba surgindo ), as forças das trevas se fortalecem e sussurram coisas para eles dos boeiros – além de quando mercadores conversam ( o que é proibido ). Tudo estava explicado em O Fantástico Grande Livro da Morte, que estava com Lily, a empregada gótica de sua loja.

Um ponto forte do livro são os personagens. O autor cria personagens diferentes do usual e de personalidade forte. Todos são bem descritos e movem melhor a trama por suas características peculiares. Ray, o empregado da loja de Charlie, é um policial aposentado solteirão que acessa sites de relacionamentos. Lily, a empregada da loja de Charlie, é um estudante gótica entediada da vida que acha esse negócio de “ser a morte” super interessante, passando a respeitar mais seu chefe depois disso – o que nunca fez antes, na verdade. Jane é a irmã mais velha e lésbica de Charlie que vive vestindo seus ternos e usando cabelos de uma forma que ele sente vergonha de estar a seu lado. A Sra. Ling ( uma senhora chinesa ) e a Sra. Korjev ( uma senhora russa ) são ambas moradoras do prédio de Charlie que cuidam de Sophie volta e meia. A Sra. Ling não consegue ver animais vivos que os conecta com jantar ( além de falar engraçado, como chinês mesmo ) e a Sra. Korjev compara tudo com ursos. Para mim, as partes mais engraçadas do livro foram com a Sra. Ling – além de outros personagens que aparecem para o final, mas não posso falar deles…

A grande questão do livro – que começa a surgir mesmo para o meio – é que as trevas estão querendo subir ao mundo superior, o que só depende dos deslizes dos mercadores. Por tanto, eles devem cumprir suas “missões” direitinho e não deixar nenhum objeto escapar. E recuperar coisas que pertenceram a recém mortos sem que ninguém veja ou impeça é um tarefa que rende, também, ótimas cenas de embaraço de Charlie, além de trazer a tona um pouco de drama, por conta de tanta morte ao redor da vida dessas pessoas que recuperam almas.

Um Trabalho Sujo é um livro para, principalmente, aqueles que gostam de rir, não tem escrúpulos contra satirizar tudo – ou quase tudo – e curtem o surgimento de coisas “sem noção” na história, desde que estas sejam legais e tornem tudo ainda mais hilário. Se identificou? Então corre pra ler que você vai gostar bastante.